terça-feira, 17 de abril de 2012

CHICO DE EVILIA.UMA HISTORIA DE UMA VIDA


                  CHICO DE EVILIA.UMA HISTORIA DE VIDA



                Lembro de um fato muito interessante que marcou a minha juventude.Vou trocar alguns nomes de pessoas  e situações, para evitar explicações futuras.O nome do principal personagem é verídico.O seu nome era Chico.A sua vida era um mistério. Nós sabíamos que morara no Rio de Janeiro por muitos anos.Era torcedor ferrenho do Vasco da Gama.Quando expressava surpresa sobre algum assunto ele sempre dizia:Papagaio!Isso fazia com que a gente sempre o chamasse de Chico de Evilia ou Chico Papagaio. Era muito inteligente.Sabia matemática,falava corretamente.Seus conhecimentos gerais era de chamar atenção.Nós jovens gostávamos muito dele principalmente pelas as suas historias quando era  morador do Rio de Janeiro.Relatava minuciosamente grandes clássicos carioca,principalmente aquele que envolvia o seu querido Vasco da Gama.Conhecera muitos craques da época,Vavá,Barbosa,Beline,Leônidas da Silva e tantos que agora me foge a memória.No campo musical nem se fala, dizia que teve muitos amigos entre os cantores da época. O que ele mais gostava era o Augusto Calheiros e que sabia imitar muito bem.Os adultos é claro,zombavam dele com pilherias as quais ele tirava de letra entre um gole e outro.O seu grande problema era a bebida.Era alcoólatra.Muitas vezes nós o víamos chorar sem um motivo aparente.Era como se ele guardasse algum segredo que o atormentava.
              Cecília uma das garotas do bairro iria fazer uma festa para comemorar os seus quinze anos.O Sr Antonio o seu pai tinha um bom emprego publico e resolveu brindar a sua filha única com uma festa inesquecível e para isso contratou um conjunto musical que fazia muito sucesso na cidade.Convites foram distribuídos aos jovens seus amigos e figuras da sociedade local.Devido ao espaço,a festa seria no único clube da cidade Naquele tempo todo o baile de debutante tinha como o ponto máximo a valsa de abertura, o Danúbio Azul  de Johann Strauss era a mais preferida.Para tanto quem abria o baile era o pai da garota ou na falta deste o seu padrinho.Calhou que o Chico recebeu da garota um convite para a sua festa.Quando a sua mãe soube teve uma crise: - Aquele cachaceiro na sua  festa filha! E em um acontecimento como esse?Você está doida Cecilia? - Dona Adélia não se conformava, em vão tentou dissuadir a filha para evitar a presença do pobre homem em tão marcante acontecimento social. Mas a garota foi irredutível.Por fim o pai conseguiu convencê-la, dizendo que arrumaria um canto afastado para servi-lo.
              Arrumamos com nossos pais um terno e sapatos bem engraxados.Eu e mais três amigos o levamos de taxi até o clube.Chegando lá a mãe da garota o olhou por baixo dos olhos e o conduziu até o local  previamente combinado e lá ordenou a um dos garçons que o servisse ali mesmo e não o deixasse aproximar do salão de festas de maneira alguma.O Chico de nada desconfiara,mas nós sim e ficamos furiosos com essa atitude mesquinha.Não dizemos nada a ele,para que ele não ficasse só naquele canto,nós nos revezávamos fazendo-lhe companhia a pedido gentilmente pelo o pai da garota.A vantagem era que tínhamos sempre a mão cerveja e uísque importado a vontade,sem falar nos salgadinhos e tira gostos.
             Chegara o momento da abertura do baile.Sorrateiramente levamos o Chico para dar uma olhada.O conjunto já se preparava para tocar a valsa anunciada pelo locutor da festa.Assim que o Chico viu o enorme piano ao lado do palco,separou-se da gente e caminhou com passos firmes até o palco.Ficamos aterrorizados – Puxa vida! O Chico vai estragar a festa.
Por incrível que pareça ninguém o impediu de fazer aquele percurso,era como se uma força estranha o envolvesse como uma aura.Olhei para Dona Adélia.A mulher estava pálida e pregada na cadeira.O Sr Antonio já no centro do salão segurando a mão da Cecília botou as mãos na cabeça.
               Chico subiu ao palco pediu gentilmente o microfone e disse que aquela calma que lhe era peculiar. -  Amigos! Boa noite!Quero dar o meus parabéns a você Cecília!Não vim até esse palco para estragar a sua festa.Todos sabem aqui que eu sou um doente alcoólico,mas  aqui estou para dar um presente a você, não pude resistir de fazê-lo ao ver aquele lindo piano Bosendorfer de meia cauda, uma marca que eu conheço muito bem.Peço desculpas aos jovens desse conjunto musical e peço permissão para tocar a valsa Danúbio Azul para a Cecilia e o Sr Antonio o seu tão devotado pai.
              Foi até o piano,fez o movimento rápido em todas as teclas e gostou – Está bem afinado! – Voltando para o salão fez um sinal afirmativo e sentou e começou a tocar a valsa com uma habilidade e maestria incrível.Todos surpresos e silenciosos observavam o par e o musico.No meio da valsa como estava programado foram entrando os demais pares,até que o salão ficar repleto.O pai entregou a filha ao namorado e chamou a mulher para dançar.Nesse momento já se ouvia os primeiros acordes dos “Contos dos bosque de Viena”.A salão ficou pequeno, todos queriam dançar ao som daquele piano tocado por tão exímio artista.Os rapazes do conjunto observavam boquiabertos os seus dedos rápidos deslizarem sobre as teclas.Por fim sobre intensos aplausos ele levantou-se com os olhos marejados de lagrimas e dirigiu-se a garota a abraçou-a e ela também em lagrimas o agradeceu.De repente o alcoólatra sumiu dando o lugar ao artista.Todos fizeram questão em cumprimentá-lo.A esposa do prefeito depois de apertar a sua mão,dirigiu-se a mãe da garota e disse: - Quero parabenizá-la por tudo querida!Principalmente por essa grata surpresa.Que artista!Que virtuose esse senhor! – Ela comovida foi até o Chico e pediu mil perdões pelo ato que cometera, ao tratá-lo com tanta desconsideração.O Chico disse-lhe que não se preocupasse que ela a principio estava certa
              Esse foi o assunto da cidade no dia seguinte.Lá pelas cinco da tarde o Chico aparece na bodega do Zeca para beber uns goles.Em minutos o recinto estava cheio.As perguntas eram as mesmas:O que ele fazia antes?A sua família?Afinal de contas quem é você?
              Ele nunca respondeu a nenhuma dessas perguntas.Três semanas depois uma senhora que fazia a sua comida,bateu insistentemente na porta do quarto de vila que ele morava e não obteve resposta,desconfiada ela chamou os vizinhos e quando a porta foi arrombada o encontraram morto deitado tendo ao lado um copo ainda com resto de bebida.A sua morte comoveu a todos.O seu enterro foi o mais concorrido até hoje,até a escola do bairro decretou feriado para que os alunos o acompanhassem até a ultima morada.
             O seu melhor amigo de infortúnio o Raimundo o “bico doce”descobriu nas suas coisas o endereço de uma irmã que morava no Rio de Janeiro e inúmeras fotos e com surpresa vimos algumas onde ele de batuta regia uma grande orquestra,outra abraçado com os jogadores vascaínos dos quais ele tanto comentava,com autoridades,cantores e a mais que chamou atenção foi a que ele aparece ao lado de uma mulher muito bonita e uma garota de uns 15 anos.
            Dois meses depois recebemos a visita da sua irmã,uma senhora muito elegante.Ela esteve em nossa casa.O meu pai sempre o ajudava e ele gostava muito de mim.Comovida ela nos agradeceu e nos revelou que há mais vinte anos não sabia do paradeiro do irmão.Contou-nos que ele fora um grande maestro,chegou a reger  em Nova Iorque e em muitas cidades européias.O motivo de toda a sua desventura foi a morte da sua mulher e filha em um acidente automobilístico,ele não tivera culpa mas nunca se perdoou, pois sempre dissera que fora o causador, e daí mergulhou na bebida e de repente desapareceu de tudo e de todos, até ela saber da sua morte.Soubemos que ele tinha uma fortuna no banco e suas retiradas eram mínimas,justamente para pagar o quarto,alimentação e  a bebida.Antes de voltar para o Rio ela doou esse dinheiro para um orfanato,comprou instrumentos musicais e comprometeu-se em fazer o pagamento dos professores de musica por um certo período. Hoje a nossa cidade possui uma boa orquestra sinfônica.Temos uma grande Biblioteca e uma Fundação Beneficente que leva o seu nome “Francisco de Almeida Bastos”.E assim foi a vida desse cidadão que marcou a nossa juventude.Os nossos velhos dias.

              Blog do figueiroa publicado em 28/09/2011
                                                                                        Serie: Contos anônimos 

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