CHICO DE EVILIA.UMA HISTORIA DE VIDA
Lembro
de um fato muito interessante que marcou a minha juventude.Vou trocar alguns
nomes de pessoas e situações, para evitar explicações futuras.O nome do principal personagem
é verídico.O seu nome era Chico.A sua vida era um mistério. Nós sabíamos que
morara no Rio de Janeiro por muitos anos.Era torcedor ferrenho do Vasco da
Gama.Quando expressava surpresa sobre algum assunto ele sempre
dizia:Papagaio!Isso fazia com que a gente sempre o chamasse de Chico de Evilia ou Chico Papagaio. Era
muito inteligente.Sabia matemática,falava corretamente.Seus conhecimentos
gerais era de chamar atenção.Nós jovens gostávamos muito dele principalmente
pelas as suas historias quando era morador do Rio de Janeiro.Relatava minuciosamente
grandes clássicos carioca,principalmente aquele que envolvia o seu querido
Vasco da Gama.Conhecera muitos craques da época,Vavá,Barbosa,Beline,Leônidas da
Silva e tantos que agora me foge a memória.No campo musical nem se fala, dizia
que teve muitos amigos entre os cantores da época. O que ele mais gostava era o
Augusto Calheiros e que sabia imitar muito bem.Os adultos é claro,zombavam dele
com pilherias as quais ele tirava de letra entre um gole e outro.O seu grande
problema era a bebida.Era alcoólatra.Muitas vezes nós o víamos chorar sem um
motivo aparente.Era como se ele guardasse algum segredo que o atormentava.
Cecília
uma das garotas do bairro iria fazer uma festa para comemorar os seus quinze
anos.O Sr Antonio o seu pai tinha um bom emprego publico e resolveu brindar a
sua filha única com uma festa inesquecível e para isso contratou um conjunto
musical que fazia muito sucesso na cidade.Convites foram distribuídos aos
jovens seus amigos e figuras da sociedade local.Devido ao espaço,a festa seria
no único clube da cidade Naquele tempo todo o baile de debutante tinha como o
ponto máximo a valsa de abertura, o Danúbio Azul de Johann Strauss era a mais preferida.Para
tanto quem abria o baile era o pai da garota ou na falta deste o seu padrinho.Calhou
que o Chico recebeu da garota um convite para a sua festa.Quando a sua mãe
soube teve uma crise: - Aquele cachaceiro na sua festa filha! E em um
acontecimento como esse?Você está doida Cecilia? - Dona Adélia não se conformava,
em vão tentou dissuadir a filha para evitar a presença do pobre homem em tão marcante acontecimento social. Mas a garota foi irredutível.Por fim o pai conseguiu convencê-la,
dizendo que arrumaria um canto afastado para servi-lo.
Arrumamos
com nossos pais um terno e sapatos bem engraxados.Eu e mais três
amigos o levamos de taxi até o clube.Chegando lá a mãe da garota o olhou por
baixo dos olhos e o conduziu até o local
previamente combinado e lá ordenou a um dos garçons que o servisse ali
mesmo e não o deixasse aproximar do salão de festas de maneira alguma.O Chico
de nada desconfiara,mas nós sim e ficamos furiosos com essa atitude
mesquinha.Não dizemos nada a ele,para que ele não ficasse só naquele canto,nós
nos revezávamos fazendo-lhe companhia a pedido gentilmente pelo o pai da
garota.A vantagem era que tínhamos sempre a mão cerveja e uísque importado a
vontade,sem falar nos salgadinhos e tira gostos.
Chegara o
momento da abertura do baile.Sorrateiramente levamos o Chico para dar uma
olhada.O conjunto já se preparava para tocar a valsa anunciada pelo locutor da
festa.Assim que o Chico viu o enorme piano ao lado do palco,separou-se da gente
e caminhou com passos firmes até o palco.Ficamos aterrorizados – Puxa vida! O
Chico vai estragar a festa.
Por incrível que pareça ninguém o impediu de fazer aquele
percurso,era como se uma força estranha o envolvesse como uma aura.Olhei para
Dona Adélia.A mulher estava pálida e pregada na cadeira.O Sr Antonio já no
centro do salão segurando a mão da Cecília botou as mãos na cabeça.
Chico
subiu ao palco pediu gentilmente o microfone e disse que aquela calma que lhe
era peculiar. - Amigos! Boa noite!Quero dar o meus parabéns a você Cecília!Não
vim até esse palco para estragar a sua festa.Todos sabem aqui que eu sou um
doente alcoólico,mas aqui estou para dar um presente a você, não pude resistir
de fazê-lo ao ver aquele lindo piano Bosendorfer de meia cauda, uma marca que
eu conheço muito bem.Peço desculpas aos jovens desse conjunto musical e peço
permissão para tocar a valsa Danúbio Azul para a Cecilia e o Sr Antonio o seu
tão devotado pai.
Foi até
o piano,fez o movimento rápido em todas as teclas e gostou – Está bem afinado!
– Voltando para o salão fez um sinal afirmativo e sentou e começou a tocar a
valsa com uma habilidade e maestria incrível.Todos surpresos e silenciosos
observavam o par e o musico.No meio da valsa como estava programado foram
entrando os demais pares,até que o salão ficar repleto.O pai entregou a filha
ao namorado e chamou a mulher para dançar.Nesse momento já se ouvia os
primeiros acordes dos “Contos dos bosque de Viena”.A salão ficou pequeno, todos
queriam dançar ao som daquele piano tocado por tão exímio artista.Os rapazes do
conjunto observavam boquiabertos os seus dedos rápidos deslizarem sobre as
teclas.Por fim sobre intensos aplausos ele levantou-se com os olhos marejados
de lagrimas e dirigiu-se a garota a abraçou-a e ela também em lagrimas o
agradeceu.De repente o alcoólatra sumiu dando o lugar ao artista.Todos fizeram
questão em cumprimentá-lo.A esposa do prefeito depois de apertar a sua
mão,dirigiu-se a mãe da garota e disse: - Quero parabenizá-la por tudo
querida!Principalmente por essa grata surpresa.Que artista!Que virtuose esse
senhor! – Ela comovida foi até o Chico e pediu mil perdões pelo ato que
cometera, ao tratá-lo com tanta desconsideração.O Chico disse-lhe que não se
preocupasse que ela a principio estava certa
Esse foi
o assunto da cidade no dia seguinte.Lá pelas cinco da tarde o Chico aparece na
bodega do Zeca para beber uns goles.Em minutos o recinto estava cheio.As
perguntas eram as mesmas:O que ele fazia antes?A sua família?Afinal de contas
quem é você?
Ele
nunca respondeu a nenhuma dessas perguntas.Três semanas depois uma senhora que
fazia a sua comida,bateu insistentemente na porta do quarto de vila que ele
morava e não obteve resposta,desconfiada ela chamou os vizinhos e quando a
porta foi arrombada o encontraram morto deitado tendo ao lado um copo ainda com
resto de bebida.A sua morte comoveu a todos.O seu enterro foi o mais concorrido
até hoje,até a escola do bairro decretou feriado para que os alunos o
acompanhassem até a ultima morada.
O seu
melhor amigo de infortúnio o Raimundo o “bico doce”descobriu nas suas coisas o
endereço de uma irmã que morava no Rio de Janeiro e inúmeras fotos e com surpresa
vimos algumas onde ele de batuta regia uma grande orquestra,outra abraçado com
os jogadores vascaínos dos quais ele tanto comentava,com autoridades,cantores e
a mais que chamou atenção foi a que ele aparece ao lado de uma mulher muito
bonita e uma garota de uns 15 anos.
Dois meses
depois recebemos a visita da sua irmã,uma senhora muito elegante.Ela esteve em
nossa casa.O meu pai sempre o ajudava e ele gostava muito de mim.Comovida ela
nos agradeceu e nos revelou que há mais vinte anos não sabia do paradeiro do
irmão.Contou-nos que ele fora um grande maestro,chegou a reger em Nova Iorque e em muitas cidades
européias.O motivo de toda a sua desventura foi a morte da sua mulher e filha
em um acidente automobilístico,ele não tivera culpa mas nunca se perdoou, pois
sempre dissera que fora o causador, e daí mergulhou na bebida e de repente
desapareceu de tudo e de todos, até ela saber da sua morte.Soubemos que ele
tinha uma fortuna no banco e suas retiradas eram mínimas,justamente para pagar
o quarto,alimentação e a bebida.Antes de
voltar para o Rio ela doou esse dinheiro para um orfanato,comprou instrumentos musicais
e comprometeu-se em fazer o pagamento dos professores de musica por um certo período. Hoje a nossa cidade possui uma boa
orquestra sinfônica.Temos uma grande Biblioteca e uma Fundação
Beneficente que leva o seu nome “Francisco de Almeida Bastos”.E assim foi a
vida desse cidadão que marcou a nossa juventude.Os nossos velhos dias.
Blog do
figueiroa publicado em 28/09/2011
Serie: Contos anônimos
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